Traduzindo Poesia & Vozes Queer #17 — In memoriam de Pier Paolo Pasolini
Pier Paolo Pasolini (1922–1975) foi um diretor, roteirista, escritor, dramaturgo, poeta e intelectual italiano. Assumidamente gay e comunista, Pasolini nasceu em Bolonha, filho de uma professora e de um oficial do exército italiano, e passou boa parte de sua infância e adolescência morando em várias cidades no norte da Itália, sendo Casarsa, na região do Friul, a que teve mais impacto afetivo sobre ele.
Desde cedo, Pasolini tinha vocação ao mundo das letras e começou a escrever desde jovem. Após a segunda guerra, tornou-se membro do partido comunista; porém, no início dos anos 50, um escândalo envolvendo a sexualidade de Pasolini explodiu, fazendo com que fosse expulso do partido e forçando-o, com a sua mãe, a se exilar em Roma.
Durante o início dos anos 50, Pier Paolo fazia bicos de revisão e de escrita para alguns jornais e de figuração na Cinecittà. Aos poucos, conheceu alguns intelectuais e pessoas da indústria do cinema italiano que o ajudaram artisticamente. Publicou suas primeiras coletâneas de poesia (La meglio gioventù, Le cenari di Gramasci e L’usignolo della chiesa cattolica), seus primeiros romances (Ragazzi di vita, Una vita violenta) e colaborou em filmes como As noites de Cabríria (1957)de Fellini.
Em 1961, ele começou a sua carreira cinematográfica com o lançamento seu primeiro longa metragem: Accattone, baseado em seu livro Una vita violenta. Após Accattone, Pasolini realizou filmes como Mamma Roma (1962), Édipo Rei (1967), Teorema (1968), Medeia (1969); além de continuar a escrever poesia, romances, peças e ensaios. Com a fama, Pasolini tornou-se uma figura emblemática, polêmica e perseguida na mídia italiana, seja por suas opiniões antifascistas, críticas a burguesia, sua sexualidade ou os temas retratados em seus filmes.
Nos anos 70, Pasolini começou a trabalhar no polêmico romance Petróleo (1992) e lançou a trilogia da vida, composta pelos filmes Decamerão (1970), Os cantos de Canterburry (1971) e As mil e uma noites (1974). Seu último longa foi Salò (1975), em que adapta o romance de Marquês de Sade para a Itália tomada pelo governo fascista na Segunda Guerra Mundial, e foi lançado algumas semanas após seu assassinato.
O corpo de Pier Paolo Pasolini foi encontrado na manhã de 02/11/75 na praia da cidade de Óstia e ainda não é um assunto totalmente resolvido. O michê Pino Pelosi confessou ter feito o crime, porém retraiu a declaração, ao dizer que foi ameaçado pelos reais assassinos, e foi absolvido. A teoria mais provável entre pessoas próximas a Pier Paolo é de que foi um crime político e sua morte foi mandada. As provas do crime foram descobertas com tempo, mas ainda não se sabe o que se passou na madrugada do crime. Contudo, apesar de um fim prematuro, as obras de Pasolini continuam a deixar sua memória viva para os novos tempos.
In Memoriam (Pier Paolo Pasolini)
Você era
como eu:
roupas frescas e sapatos novos.
Oh, doces Domingos!
Sua mãe mudou de expressão mil vezes
na sua infância
e juventude.
Agora,
você sabe
o horroroso momento,
o último respiro.
Talvez,
viu com outros olhos
estas roupas e esta camisa,
um pobre espírito
estremecendo nos próprios restos,
com os lábios ainda arqueados
no riso
do jovem vivo.
Mas eu,
craque do jogo,
não sei lhe cobrir de flores…
É ridículo!
De fato, uma piada!
Você, um espírito?
Não há de
lhe imaginar com dor.
Você ri,
ri,
na minha lembrança.
Procurarei
na água e entre as pedras,
a tua face morta.
Mas creio
que não acharei.
Você não ouve os sinos
tocarem,
e sua voz amigável
não sabe
que o silêncio lhe quer.
(Trad: Eduardo Cardoso)
In Memoriam (Pier Paolo Pasolini)
Tu sei stato
come me:
abiti freschi e scarpe nuove.
O dolci Domeniche!
Tua madre cambiò viso mille volte
con te fanciullo
e giovinetto.
Ora
tu sai
l’orrendo momento,
l’ultimo respiro.
Forse
hai visto con altri occhi
questi abiti e questa camicia,
povero spirito
tremante sulle proprie spoglie
coi labbri ancora piegati
al riso
del giovane vivo.
Ma io
esperto del gioco,
non so coprirti di fiori . . .
È ridicolo!
È uno scherzo di certo!
Tu spirito?
Non ho di te
immagini di dolore.
Tu ridi,
ridi,
nel mio ricordo.
Cercherò,
nell’acqua e tra i sassi
il tuo viso di morto.
Ma credo
che non lo troverò.
Tu non senti suonare
le campane,
e la tua voce di lieto amico
non sa
che ti vuole il silenzio.
Disclaimer: trata-se de uma tentativa de tradução poética, ou seja, é uma tradução que busca recriar certos elementos poéticos da língua fonte (italiano) para a língua alvo (português brasileiro); dessa forma, é uma tradução que não busca ser totalmente literal. Esta tradução não tem nenhuma intenção ou vínculo comercial.
Ao traduzir esse poema de Pasolini, quis realizar uma tradução que tenta recriar o ritmo presente da obra-fonte no texto de chegada e busquei traduzir alguns termos que remetem aos termos em italiano. No entanto, também tentei ser mais criativo em algumas partes no texto-alvo, como usar a expressão “craque do jogo” para traduzir o verso “esperto del gioco” e adaptar os versos “Non ho di te / immagini di dolore” para “Não há de / lhe imaginar com dor”.
O poema In memoriam foi publicado originalmente na obra L´usignolo della Chiesa Catolica de 1958 e a versão do poema consultada aqui foi a da edição The selected poetry of Pier Paolo Pasolini lançado pela The Chicago University Press (2014).
Para saber mais sobre a vida e obra de Pasolini:
Ceccatty, René de. Pasolini. Trad: Reneé Eve Levié. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2015, 1a edição;
PASOLINI, Pier Paolo. The selected poetry of Pier Paolo Pasolini. Edit. e trad: Stephen Sartarelli. Introdução: James Ivory. Chicago: The Chicago University Press, 2014, 1a edição;