Em primeiro plano, Pier Paolo Pasolini olha para cima. Em segundo plano, vários negativos de fotos estão pendurados e secando em varais.

Traduzindo Poesia & Vozes Queer #17 — In memoriam de Pier Paolo Pasolini

Eduardo Cardoso
5 min readMar 5, 2022

Pier Paolo Pasolini (1922–1975) foi um diretor, roteirista, escritor, dramaturgo, poeta e intelectual italiano. Assumidamente gay e comunista, Pasolini nasceu em Bolonha, filho de uma professora e de um oficial do exército italiano, e passou boa parte de sua infância e adolescência morando em várias cidades no norte da Itália, sendo Casarsa, na região do Friul, a que teve mais impacto afetivo sobre ele.

Desde cedo, Pasolini tinha vocação ao mundo das letras e começou a escrever desde jovem. Após a segunda guerra, tornou-se membro do partido comunista; porém, no início dos anos 50, um escândalo envolvendo a sexualidade de Pasolini explodiu, fazendo com que fosse expulso do partido e forçando-o, com a sua mãe, a se exilar em Roma.

Durante o início dos anos 50, Pier Paolo fazia bicos de revisão e de escrita para alguns jornais e de figuração na Cinecittà. Aos poucos, conheceu alguns intelectuais e pessoas da indústria do cinema italiano que o ajudaram artisticamente. Publicou suas primeiras coletâneas de poesia (La meglio gioventù, Le cenari di Gramasci e L’usignolo della chiesa cattolica), seus primeiros romances (Ragazzi di vita, Una vita violenta) e colaborou em filmes como As noites de Cabríria (1957)de Fellini.

Em 1961, ele começou a sua carreira cinematográfica com o lançamento seu primeiro longa metragem: Accattone, baseado em seu livro Una vita violenta. Após Accattone, Pasolini realizou filmes como Mamma Roma (1962), Édipo Rei (1967), Teorema (1968), Medeia (1969); além de continuar a escrever poesia, romances, peças e ensaios. Com a fama, Pasolini tornou-se uma figura emblemática, polêmica e perseguida na mídia italiana, seja por suas opiniões antifascistas, críticas a burguesia, sua sexualidade ou os temas retratados em seus filmes.

Nos anos 70, Pasolini começou a trabalhar no polêmico romance Petróleo (1992) e lançou a trilogia da vida, composta pelos filmes Decamerão (1970), Os cantos de Canterburry (1971) e As mil e uma noites (1974). Seu último longa foi Salò (1975), em que adapta o romance de Marquês de Sade para a Itália tomada pelo governo fascista na Segunda Guerra Mundial, e foi lançado algumas semanas após seu assassinato.

O corpo de Pier Paolo Pasolini foi encontrado na manhã de 02/11/75 na praia da cidade de Óstia e ainda não é um assunto totalmente resolvido. O michê Pino Pelosi confessou ter feito o crime, porém retraiu a declaração, ao dizer que foi ameaçado pelos reais assassinos, e foi absolvido. A teoria mais provável entre pessoas próximas a Pier Paolo é de que foi um crime político e sua morte foi mandada. As provas do crime foram descobertas com tempo, mas ainda não se sabe o que se passou na madrugada do crime. Contudo, apesar de um fim prematuro, as obras de Pasolini continuam a deixar sua memória viva para os novos tempos.

In Memoriam (Pier Paolo Pasolini)

Você era

como eu:

roupas frescas e sapatos novos.

Oh, doces Domingos!

Sua mãe mudou de expressão mil vezes

na sua infância

e juventude.

Agora,

você sabe

o horroroso momento,

o último respiro.

Talvez,

viu com outros olhos

estas roupas e esta camisa,

um pobre espírito

estremecendo nos próprios restos,

com os lábios ainda arqueados

no riso

do jovem vivo.

Mas eu,

craque do jogo,

não sei lhe cobrir de flores…

É ridículo!

De fato, uma piada!

Você, um espírito?

Não há de

lhe imaginar com dor.

Você ri,

ri,

na minha lembrança.

Procurarei

na água e entre as pedras,

a tua face morta.

Mas creio

que não acharei.

Você não ouve os sinos

tocarem,

e sua voz amigável

não sabe

que o silêncio lhe quer.

(Trad: Eduardo Cardoso)

In Memoriam (Pier Paolo Pasolini)

Tu sei stato

come me:

abiti freschi e scarpe nuove.

O dolci Domeniche!

Tua madre cambiò viso mille volte

con te fanciullo

e giovinetto.

Ora

tu sai

l’orrendo momento,

l’ultimo respiro.

Forse

hai visto con altri occhi

questi abiti e questa camicia,

povero spirito

tremante sulle proprie spoglie

coi labbri ancora piegati

al riso

del giovane vivo.

Ma io

esperto del gioco,

non so coprirti di fiori . . .

È ridicolo!

È uno scherzo di certo!

Tu spirito?

Non ho di te

immagini di dolore.

Tu ridi,

ridi,

nel mio ricordo.

Cercherò,

nell’acqua e tra i sassi

il tuo viso di morto.

Ma credo

che non lo troverò.

Tu non senti suonare

le campane,

e la tua voce di lieto amico

non sa

che ti vuole il silenzio.

Disclaimer: trata-se de uma tentativa de tradução poética, ou seja, é uma tradução que busca recriar certos elementos poéticos da língua fonte (italiano) para a língua alvo (português brasileiro); dessa forma, é uma tradução que não busca ser totalmente literal. Esta tradução não tem nenhuma intenção ou vínculo comercial.

Ao traduzir esse poema de Pasolini, quis realizar uma tradução que tenta recriar o ritmo presente da obra-fonte no texto de chegada e busquei traduzir alguns termos que remetem aos termos em italiano. No entanto, também tentei ser mais criativo em algumas partes no texto-alvo, como usar a expressão “craque do jogo” para traduzir o verso “esperto del gioco” e adaptar os versos “Non ho di te / immagini di dolore” para “Não há de / lhe imaginar com dor”.

O poema In memoriam foi publicado originalmente na obra L´usignolo della Chiesa Catolica de 1958 e a versão do poema consultada aqui foi a da edição The selected poetry of Pier Paolo Pasolini lançado pela The Chicago University Press (2014).

Para saber mais sobre a vida e obra de Pasolini:

Ceccatty, René de. Pasolini. Trad: Reneé Eve Levié. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2015, 1a edição;

PASOLINI, Pier Paolo. The selected poetry of Pier Paolo Pasolini. Edit. e trad: Stephen Sartarelli. Introdução: James Ivory. Chicago: The Chicago University Press, 2014, 1a edição;

Na parte de cima da imagem, título: Traduzindo Poesia & Vozes Queer. Na parte de baixo, uma ilustração da bandeira LGBTQIAP+. Fundo azul cobalto.

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Eduardo Cardoso

- Traduzindo Poesia & Vozes Queer; - Alguns contos/minicontos ou poemas não lá muito tradicionais e talvez uns papos sobre literatura, cinema, etc...